Texto por Carlos Ferracin
Dennis Stratton foi um dos membros do Iron Maiden responsáveis pela gravação do seu primeiro álbum, “Iron Maiden” lançado em 1980. Com diversos shows marcados pelo Brasil, ele gentilmente atendeu a imprensa para um papo antes do início das apresentações.
Como era de se esperar, o assunto dominante foi o Iron Maiden:
“Eu estava tocando em uma banda chamada R.D.B. num local chamado The Bridge House aos domingos e segundas. E todos os domingos, Steve e Dave (eu não sabia quem eles eram) iam ao pub e assistiam a banda. Fui convidado para entrar no Iron Maiden e eles me deram uma fita com cinco ou seis músicas e disseram: ‘olha, nós sabemos o que você faz, sabemos como você toca, só queremos que você dê sua opinião nessas músicas’.”
E sobre o processo de composição:
“Tudo já estava escrito. Havia certas partes que organizamos para funcionar com guitarras harmoniosas. A única música em que trabalhei, além de ‘Women In Uniform’ (da qual não gostei e não é segredo) foi ‘Killers’. Quando entrei na banda tínhamos os dois álbuns, ‘Killers’ e ‘Iron Maiden’ e todas as músicas estavam no set, tocamos os dois álbuns inteiros ao vivo porque precisávamos de músicas suficientes para fazer um show de uma hora e meia. E então Steve decidiu quais músicas seriam retidas para o‘Killers’.”
Finalmente, IRON MAIDEN:
“Embora a banda estivesse fazendo shows antes de 1979, foi nesse ano que a formação original começou. Quando você monta uma banda para gravar seu primeiro álbum, não há como planejar se ele - o álbum - será épico ou um dos melhores primeiros álbuns já gravados. Isso acontece depois que a banda cresce a ponto de deixar de fazer shows em pequenos clubes e passar a fazer em arenas e a reputação cresce cada vez mais. É isso que torna o primeiro álbum tão memorável pois foi onde tudo começou.”
Influências:
“Quando comecei a tocar guitarra minhas influências eram caras que via tocando em bares. Havia um guitarrista chamado Geoff Whitehorn (Procol Harum), eu o observava bastante e recebi muita influência dele. E eu tinha uma banda chamada R.D.B., não éramos heavy metal, era rock pesado muito influenciado por Wishbone Ash. Mas a maior sempre foi Steve Lukather do Toto, porque ele é um guitarrista fenomenal que consegue tocar qualquer estilo.
Então o que aconteceu é que, quando entrei no Iron Maiden, não precisei compor nenhuma música pois elas já estavam escritas. Basicamente, foi mais fácil para mim trabalhar em ‘Remember Tomorrow’ e ‘Strange World’ porque eram melódicas e era uma espécie de coisa que eu tocava antes. Nunca tentei mudar o estilo da banda, apenas tentei trabalhar nas músicas para torná-las mais harmoniosas e soarem mais interessantes.”
O crescimento do Iron Maiden dentro da NWOBHM e do heavy metal:
“Certa vez estávamos em turnê e chegamos ao local do show, não me lembro onde estava e o Paul Di’Anno veio me dizer ‘não consigo cantar, estou com dor de garganta’, ai eu disse ‘o show está esgotado, esse pessoal pagou pelos ingressos’, mas não teve jeito ‘eu não vou, estou me retirando do show’. Fui para o camarim e o Steve entrou, aí sentamos e conversamos sobre o que fazer. Eu disse ‘eu e você cantamos, eu não sei todas as letras mas você sabe e eu faço de conta que estou cantando. De qualquer maneira, os fãs conhecem e vão cantar e se cancelamos o show ele poderá fazer isso em qualquer outro porque sabe que tem o poder’.
E foi exatamente isso que aconteceu, nós dois cantamos juntos mas não importou pois a multidão sabia cada palavra e nem dava para nos ouvir. E ele nunca cancelou outra apresentação.... Eu sabia que as músicas eram fortes e tinham algo diferente. Considerando que Saxon, Samson, Praying Mantis, Raven, Tygers Of Pang Tang estavam todos em um grupo, mas o Maiden tinha essa magia e com o passar dos anos foi crescendo cada vez mais e as demais bandas acabaram se desintegrando ou nada acontecendo. Saxon é uma ótima banda e são grandes amigos, mas nunca chegaram ao mesmo patamar do Iron Maiden. Ah, tem o Def Leppard, mas eles foram embora para os Estados Unidos”
Arrependimento pela saída do Iron Maiden:
“Basicamente é um negócio, é como administrar uma escola e eu nunca fui muito de ir. E tínhamos um diretor, Rod Smallwood, e não me dava bem com ele. Rod deixou claro que queria comandar a banda como diretor, mas, veja bem, você tem que entender que eu era mais velho que os demais integrantes e já tinha feito turnês com o Status Quo e outras bandas antes de entrar no Iron Maiden, então não era novo no jogo. O que me chateou foi o fato dele me repreender por ouvir Eagles no meu quarto de hotel ou ele me atacar por gostar de outras bandas que não eram de heavy metal. Então, quando decidimos expor abertamente e conversar sobre isso, eu disse a ele ‘então você acha que se eu ouvir Motorhead vinte e quatro horas por dia ficaria bem? E minha mente ficaria bem trabalhando no Iron Maiden e outras coisas?’ E ele não soube o que dizer. Então, a meu ver, você está fazendo seu trabalho além do necessário.
Nada foi feito por maldade ou ódio ou ‘não quero estar com uma banda, não quero viajar com a banda’. São personalidades diferentes e quando você viaja todos os dias na estrada, precisa ter paciência um com o outro. Rod tinha que ser aquele diretor e eu não consegui lidar com isso e começamos a discutir e nos afastar. Mas não me arrependo de nada e foi uma ótima experiência. Estou feliz por ter tido a oportunidade de estar com o Maiden por quase dois anos e também de trabalhar nos dois primeiros álbuns. E, embora não tenha gravado ‘Killers’, fiz muito trabalho na pré-produção e foi bom ser incluído em um primeiro álbum épico que resistiu ao teste do tempo e isso me dá orgulho. Portanto, não há nenhum arrependimento.”
Seu relacionamento com o falecido baterista Clive Burr:
“Após entrar na banda estava bebendo com Clive em um pub e disse a ele ‘acabei de entrar no Iron Maiden e eles estão precisando de um baterista, quer ir no estúdio?’. Fomos para o estúdio e eu disse ao Steve ‘ele toca bateria’ e, bem, ele se sentou no kit e no minuto seguinte já estava na banda. Foi tudo muito emocionante, uma nova formação comigo e Clive aprendendo as músicas pela primeira vez e, talvez não tenha sido para o Steve que já tocava essas músicas havia anos, mas para nós foi e colocamos muita influência porque elas - as músicas - estavam sendo gravadas com uma nova formação. Sempre fomos muito próximos e eu cheguei a visitá-lo antes do seu falecimento. Fui no velório e carreguei o caixão...Steve, Bruce e os outros caras estavam. Estive com ele no começo e no fim, fiquei abalado por perder um grande amigo, mas ele está em um lugar melhor.”
Outras bandas, Praying Mantis e Lionheart:
“Quando saí do Iron Maiden, montei o Lionheart em 1980. Trabalhamos quatro anos para conseguir um contrato com a CBS e fomos para os Estados Unidos gravar o primeiro álbum e o produtor foi escolhido pela gravadora, o que achei errado. Nos separamos em 1990, mas continuamos amigos e escrevemos música juntos. Entrei no Praying Mantis e fiquei mais de quinze anos na banda e eu, Chris e Tino éramos como irmãos. Agora o Lionheart voltou e vamos lançar um novo álbum no começo de 2024 e fazer show na Europa, América e onde nos convidarem. O problema é conseguir conciliar a agenda de todos, mas acho que vai dar tudo certo.”
Relação atual com o Iron Maiden:
“Sempre me perguntam ‘já ouviu as novidades do Maiden? O que você achou?’. Gosto de algumas coisas novas, mas não de tudo. Minhas preferidas são aquelas com refrões grandes e harmonia, sabe? E também sempre vejo-os em alguns lugares e, se houver um último show com eles eu gostaria de tocar ‘Phantom Of The Opera’. Atualmente, Steve está trabalhando com British Lion no Reino Unido e eu posso me dirigir a um pequeno clube para vê-lo, assim é mais fácil. Na verdade, estávamos conversando ao telefone antes de partirmos para cá e eu contei sobre essa viagem ao Brasil e ele me disse coisas sobre aqui. E claro que falamos sobre os ‘Hammers’ (West Ham, time de futebol pelo qual ambos torcem), então temos boas relações.”
Expectativa sobre os shows no Brasil:
“Nos últimos vinte anos eu tenho feito esse show em toda a Europa e já trabalhei com bandas na Holanda, Alemanha, França, Espanha, Itália e sempre houve um interesse em vir para o Brasil, mas nunca tive oportunidade. Muitos e-mails e postagens nas redes sociais perguntando ‘Dennis, você poderia vir ao Brasil?’. Sim, eu adoraria, mas nunca houve uma oferta e eu esperei. Então em 2019 recebo um contato do Marcel (produtor) e outras pessoas para vir para cá em 2020 e, bem, todos nós sabemos o que aconteceu em março daquele ano, foi terrível e eu não sabia se teria ou não outra chance de tocar aqui, pois sempre quis vir para cá. Agora em 2023 recebo uma mensagem de que pode ser uma oportunidade para marcarmos a turnê. Sim, sabemos que as coisas não têm sido as mesmas desde a pandemia, o mundo ficou maluco. O custo de vida, o preço dos ingressos, as viagens tudo disparou.
A turnê que foi planejada em 2020 chegou em 2023 e algumas pessoas podem não conseguir vir agora e tudo o que podemos fazer é juntar as mãos e trabalhar duro. Nós revisamos o set ontem e é absolutamente fantástico, não vou revelar os segredos mas tudo que posso dizer é que na Europa eu toco 45 minutos e aqui serão adicionadas mais músicas. Não podemos fazer isso sem a família brasileira do Iron Maiden, tudo que posso esperar é que as pessoas venham nos ver nessa turnê e que nos dêem uma chance de sermos aceitos, de eu ser aceito na família Maiden no Brasil. Eu não participei da escolha dos músicos que vão tocar comigo e a razão é que não conheço ninguém aqui. Felizmente eu tenho o Marcel (produtor) que mora no Reino Unido mas é de São Paulo e que já fez turnês por aqui e me disse que eles - a banda - já se apresentaram com o Blaze e o Di’Anno. Depois do ensaio de ontem, vi o quanto eles são fantásticos e, para minha sorte, já tocaram as músicas várias e várias vezes. Então, estou entrando em uma unidade bem lubrificada e ensaiada para fazer o trabalho, se bem que eles podem ficar irritados quando eu lhes disser que precisam se apresentar vestidos de mulher (risos).”
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