Elvenking encerra trilogia épica com “Luna” e mira novos horizontes após seis anos de saga; confira entrevista
- Maicon Leite
- há 2 dias
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Em entrevista ao Metal no Papel, os músicos Aydan (guitarra) e Damna (vocal), do Elvenking, revelaram os bastidores da criação de “Reader of the Runes – Luna”, terceiro capítulo da ambiciosa trilogia conceitual da banda, que foi lançado oficialmente no dia 11 de abril. Marcado por contrastes entre momentos melódicos e atmosferas sombrias, o novo álbum mergulha ainda mais fundo na narrativa fantástica iniciada com “Divination” (2019), interrompida pela pandemia e retomada com “Rapture” (2023). A dupla comentou sobre o impacto criativo da COVID-19, a importância do aspecto visual da obra, suas influências musicais — com destaque para o Skyclad — deixando claro seu compromisso em criar um Heavy Metal emocional, denso e livre de fórmulas superficiais. Ao concluir a trilogia, o Elvenking se prepara para explorar novos rumos musicais com mais liberdade e já planeja seu futuro.
Agradecimentos: Marcos Franke
Fotos: Divulgação
Maicon: “Reader of the Runes” é uma trilogia ambiciosa e cada álbum é parte fundamental de uma jornada épica. Gostaria que você nos contasse um pouco sobre o processo criativo que levou o Elvenking a criar essa trilogia. O que inspirou a banda a embarcar nessa narrativa tão complexa e o que ela representa, tanto musical quanto simbolicamente, para o Elvenking em sua trajetória?
Damna: Sempre quisemos fazer um álbum conceitual e, eventualmente, em 2018, durante um voo longo, o Aydan e eu tivemos essas ideias e as conectamos de forma muito natural. Essa foi a primeira faísca que acendeu o fogo. Quando começamos a trabalhar em “Divination”, o primeiro álbum da trilogia, percebemos que precisaríamos de muito mais espaço se quiséssemos desenvolver a história como ela merecia. Assim, após o lançamento do álbum, começamos a trabalhar simultaneamente nos capítulos 2 e 3, compondo toda a música e letras com a oportunidade de construir a narrativa e dividir as canções entre os dois álbuns. Musicalmente, esses três discos provavelmente representam uma grande soma do nosso som e dos limites que nosso universo musical pode alcançar — ter que acompanhar letras tão profundas, às vezes sombrias e melancólicas, nos fez mergulhar em águas nas quais raramente nos aventuramos. Mas fico feliz por termos feito isso, pois acho que enriqueceu nosso som sem alterar sua identidade. Simbolicamente, exploramos cantos da nossa filosofia e natureza, vestindo-os com roupas ficcionais através de um conjunto de personagens e uma trama complexa. É uma história inventada, mas que esconde muito de quem realmente somos.
Maicon: Falando sobre a evolução de “Reader of the Runes”, de que forma a narrativa do Leitor de Runas foi idealizada, e de que forma ela reflete as experiências da banda, tanto no aspecto criativo quanto nos momentos pessoais vividos durante a produção desses discos? Pergunto isso pois a primeira parte, “Reader of the Runes – Divination”, foi lançado em 2019, onde o mundo ainda não tinha ideia do sufoco que iria passar com a pandemia logo depois, já a segunda parte, “Reader of the Runes – Rapture”, é lançada em 2023, num mundo que aos poucos se livrava dos estragos causados pela COVID. Foi uma época difícil para todos, afetando de forma brutal a classe artística.
Aydan: Como você deve ter notado, o primeiro álbum foi lançado em 2019 e o segundo apenas quatro anos depois. O motivo desse intervalo tão longo foi a COVID-19. O plano original era completamente diferente: estávamos em turnê com “Divination” quando começaram a surgir as primeiras informações sobre esse estranho vírus vindo da China. Tivemos que cancelar todas as atividades e a única coisa que restou foi trabalhar na composição dos próximos álbuns. Se você perguntar se a situação global teve impacto no processo criativo, eu não saberia dizer. Pelo menos não de forma consciente, mas acredito que, de alguma forma, essa situação impactou a vida de todos nós.
Agora que “Reader of the Runes – Luna” está para ser lançado, encerrando a trilogia, quais são as suas expectativas para a conclusão dessa saga? Quais aspectos da história e da sonoridade você acredita que irão impactar mais os fãs na hora de fechar esse ciclo? Existe alguma surpresa ou detalhe que você considera essencial para a experiência final desse projeto?
Damna: Musicalmente falando, o desenvolvimento dessa trilogia nos levou a lugares que provavelmente não teríamos explorado se não precisássemos desdobrar uma história tão articulada. Existem muitos momentos emocionais que exigiam que as letras estivessem fortemente ligadas ao tom da música — dos mais leves aos mais sombrios. Esse é provavelmente o verdadeiro poder desses três álbuns quando considerados em conjunto. Este terceiro capítulo, em especial, contém o maior contraste entre momentos mais melódicos e despreocupados e os mais pesados e melancólicos.
Maicon: Ouvindo as músicas atentamente, percebemos que ele traz o melhor das duas primeiras partes, mesclando partes sombrias, épicas, pesadas, agressivas e sinfônicas na medida certa. “Season of the Owl”, por exemplo, mostra a banda afiada, com peso, solos inspirados, belos violinos e tudo aquilo que os fãs esperam da banda. “Luna” segue uma linha mais rápida, assim como “Throes of Atonement”, mais Power Metal. “The Ghosting”, por outro lado, traz a banda mais “contida”, com o pé no freio. Como saber quais elementos encaixar em cada música?
Aydan: Você está certo. Acreditamos que este álbum tem pelo menos duas faces, senão mais. Por um lado, é o mais rápido, com muito bumbo duplo e momentos definitivamente pesados — como a faixa de abertura, “Season of the Owl”. Por outro lado, temos alguns dos momentos mais melancólicos da trilogia, como em “The Weeping” e “The Ghosting”. No geral, o álbum traz atmosferas mais mágicas e oníricas, que até remetem um pouco aos nossos primeiros trabalhos. Todas essas diferentes atmosferas, é claro, foram guiadas pela história, já que neste álbum saltamos rapidamente de flashbacks do passado para tragédias do presente.
“Reader of the Runes - Book II”, que encerra o álbum, resume bem o que esperar deste término da trilogia. É melodiosa, com partes rápidas, riffs pesados, ótimos arranjos Folk e um palpável clima apoteótico. Tudo isso mesclado em 10 minutos que passam voando. Num mundo que corre cada vez mais veloz, e porque não dizer, mais “liquido”, onde tudo se esvai pela tela de um celular, como é escrever uma canção de longa duração que desperte a curiosidade do ouvinte?
Damna: Com músicas como essas, e álbuns que exigem tanta atenção, nós exorcizamos o vazio e a superficialidade desses tempos atuais. Somos muito "old-school" quando se trata de apreciar música e viver o Heavy Metal como uma experiência. É incômodo ver o mundo cada vez mais desinteressado em coisas que exigem concentração ou um mínimo de esforço mental. Da nossa parte, continuaremos criando música que não é necessariamente “fácil” ou “acessível” para quem só consegue prestar atenção por 20 ou 30 segundos antes de passar para a próxima coisa.

Maicon: O primeiro álbum da trilogia, “Divination”, apresentou um material focado no misticismo e nas runas, enquanto “Rapture” trouxe uma vibe mais intensa e sombria. Como vocês conseguiram manter a coesão entre os dois álbuns, enquanto ao mesmo tempo buscavam explorar diferentes atmosferas e nuances musicais? O que mudou entre um disco e outro e como essa evolução sonora se encaixa com a evolução da trama?
Aydan: “Divination” foi a introdução da história, especialmente dos oito personagens principais e da figura misteriosa do Leitor das Runas. A música acompanha essa introdução e, como você disse, é mais mística e direta. Já o segundo capítulo é quando a ação se torna sangrenta e violenta, e os personagens enfrentam seu destino trágico. As músicas são mais escuras e obscuras, com atmosferas que eu definiria como esotéricas — porque era exatamente isso que queríamos alcançar. Portanto, a evolução do som está diretamente ligada ao desenvolvimento da narrativa.
Maicon: Voltando um pouco no tempo, gostaria de saber mais sobre o lançamento de “Heathenreel” em 2001. Na época, foi um pouco antes do lançamento da primeira parte da trilogia cinematográfica de “O Senhor dos Anéis”, “A Sociedade do Anel”, e parece que houve uma forte conexão entre a proposta sonora do Elvenking e essa tendência de épico medieval que estava ganhando força. Como esse momento de sincronia entre a sua música e a cultura pop influenciou o conceito inicial da banda e a sua identidade sonora? Lembro que quando o álbum saiu no Brasil houve uma grande comoção...
Damna: Quando a banda surgiu, não havia muita coisa sobre O Senhor dos Anéis na cultura pop. Os filmes ainda não tinham sido lançados, e nosso amor por fantasia, terror e espada & feitiçaria vinha totalmente das nossas leituras. Todos nós lemos a trilogia de Tolkien quando éramos crianças e percebemos que compartilhávamos essa paixão, entre muitas outras. Acho que a ascensão do Metal épico e Power Metal nos anos 90 acendeu um fogo em nós que, combinado com todas essas leituras, tocou uma corda especial — tanto em nós quanto em muitas outras bandas da época.
Maicon: Na versão japonesa de “Heathenreel”, vocês incluíram o cover de “Penny Dreadful” do Skyclad, uma banda que é considerada uma das pioneiras do Folk Metal. O que motivou essa escolha, e o que o Skyclad representa para o Elvenking, tanto musicalmente quanto na formação do gênero Folk Metal? Quais foram as principais influências da banda no início de sua carreira, e como a sonoridade do Skyclad ajudou a moldar o caminho do Elvenking?
Aydan: Eu sou fã do Skyclad desde o início dos anos 90 e ainda os considero uma das bandas mais subestimadas da cena Metal, especialmente pelos álbuns daquela década. Desde que comprei A “Burnt Offering for the Bone Idol”, em 1992, o Skyclad se tornou uma grande influência para mim, e eu levei esse amor primeiro ao Jarpen e depois ao Damna. É fácil dizer que o Skyclad foi uma das nossas principais influências na criação do som do Elvenking. Mas o que realmente torna nosso som único é a variedade de influências que carregamos: desde o Power Metal dos anos 90 até a cena death Metal de Gotemburgo, passando pelo Black Metal, e por lições obscuras de nomes como King Diamond, Mercyful Fate e Candlemass — sem esquecer os clássicos como Iron Maiden, Manowar ou Helloween.
Maicon: Você sente que, com a sua música, o Elvenking está contribuindo para a evolução ou renovação desse estilo, ou mais para preservá-lo e manter sua essência?
Damna: Nunca pensei nesse aspecto dessa forma. Sempre vejo a trajetória da banda por ela mesma e não a ligo a uma cena específica, até porque é muito difícil rotular nosso som ou encaixá-lo em uma “cena”. Também acho que o que hoje é considerado moderno e “voltado para o futuro” está bem distante do que, na minha opinião, o Metal deveria ser — como se o Metal precisasse ir a algum lugar.
Maicon: Ao longo dos anos, a parte visual da banda sempre foi uma extensão importante da narrativa musical que vocês criam. Como a estética e o design dos álbuns de “Reader of the Runes” se conectam à história e à música, e de que maneira o trabalho gráfico se tornou uma ferramenta para aprofundar a experiência que vocês oferecem aos fãs? Qual foi o papel da arte visual no fortalecimento da narrativa e da atmosfera dos álbuns da trilogia?
Aydan: Sempre quisemos ligar nossa música a um forte aspecto visual. Pessoalmente, sempre achei meio estranho ver, por exemplo, o Blind Guardian cantando sobre O Senhor dos Anéis vestidos como eu me visto para ir trabalhar. Desde o início, quisemos criar essa conexão forte entre som e visual, e isso sempre foi muito importante para nós — mesmo tendo deixado isso um pouco de lado no meio da nossa carreira. Em uma obra conceitual como “Reader of the Runes”, esse aspecto é ainda mais essencial, e tentamos levá-lo a um novo nível, seja em termos de artes gráficas, fotos, figurinos, maquiagem ou edições especiais e box sets.
Maicon: A arte de “Luna” já é uma das mais belas lançadas neste ano, sendo assinada pela artista gráfica Zsofia Dankova, que vem trabalhando com a banda desde a primeira parte desta trilogia. Como chegaram até ela?
Damna: Vimos alguns trabalhos dela e a contatamos porque estávamos procurando uma artista que pudesse criar artes para a trilogia que lembrassem as grandes capas do Metal dos anos 80 — feitas à mão, com muitos detalhes. Trabalhar com ela é simplesmente incrível. Ela sempre traz ótimas ideias e soluções, e sempre entende o que queremos dizer quando descrevemos nossas visões.
Confira uma resenha completa do novo álbum AQUI

Maicon: Agora, com “Luna” prestes a ser lançado, o que você espera que os fãs levem consigo após vivenciarem essa jornada completa da trilogia? Você acredita que a conclusão de “Reader of the Runes” irá trazer uma sensação de fechamento e resolução para os ouvintes, ou há elementos que deixarão os fãs pensando e questionando, criando uma ligação ainda mais profunda com a obra?
Aydan: Em uma era dominada pelo Spotify e pelas plataformas de streaming, onde a atenção do ouvinte parece durar no máximo dois minutos, é realmente difícil propor às novas gerações não apenas um álbum conceitual — que exige sentar com as letras e absorver a atmosfera das músicas —, mas uma trilogia inteira. Provavelmente é um suicídio comercial. O que espero é que esse tipo de obra seja melhor valorizado com o tempo, e que as pessoas ainda julguem a trilogia “Reader of the Runes” como um trabalho massivo e desafiador daqui a 10 ou 20 anos.
Maicon: Com o fim desta trilogia épica, o que vem pela frente para o Elvenking? A banda já tem planos para o futuro após “Luna”, seja em termos de novos álbuns, turnês ou experimentações sonoras?
Damna: Agora estamos livres desse conceito e muito empolgados para começar a compor um novo álbum com mais liberdade. É como uma nova experiência, depois de seis anos escrevendo músicas ligadas a essa história. Então, o próximo passo será a composição. Mas antes de um novo álbum, vamos trabalhar em um projeto especial sobre o qual falaremos em breve. E, claro, sim — com certeza faremos alguns festivais no verão e uma turnê mais adiante.
Maicon: Para finalizar, uma pergunta que não quer calar: o que há na água dos italianos? Há uma grande quantidade de bandas voltadas ao Power Metal, Folk e progressivo na Itália, ao contrário de outros subgêneros. Há algum segredo especial para esta queda ao lado mais épico do Metal? Entre a segunda metade da década de 1990 e início dos 2000 houve um grande boom destes estilos, como Rhapsody, Drakkar, Thy Majestie, enquanto algumas já tinham iniciado a tocar há mais tempo, como o Domine e o Dark Quarterer.
Aydan: Como você mencionou, essa ideia provavelmente vem do fim dos anos 90, quando muitas bandas — inclusive nós — surgiram do nada em um país como a Itália, onde não havia uma cena Metal internacional. Se você me perguntar por que, naquela época, o som era majoritariamente Power ou Prog Metal, não saberia responder — até porque as únicas bandas conhecidas antes do sucesso do Rhapsody ou do Labyrinth vinham de uma cena mais extrema, como Necrodeath, Mortuary Drape, Death SS ou Extrema. Bandas como Domine, por exemplo, já existiam desde os anos 80, mas o álbum de estreia só saiu no fim dos anos 90. Então, se você me perguntar qual era o segredo daquela cena, não saberia dizer — até porque viemos de uma região do extremo norte da Itália, enquanto bandas como Thy Majestie estavam fazendo seu trabalho a milhares de quilômetros de distância.
Maicon: Muito obrigado pela entrevista! Deseja deixar algum recado final para os leitores? Aliás, há planos de um retorno ao Brasil?
Damna: Obrigado! Ouçam nosso novo álbum e esperamos vê-los em breve no Brasil. Ainda não há planos, mas em breve começaremos a organizar uma turnê tanto na América do Norte quanto na do Sul. Mais uma vez, obrigado!
Assista ao vídeo de “Gone Epoch”: