Texto: Guilherme Gões - @thegoes_
Foto: André Santos - @andresantos_mnp
Realização: KLF Productions - @klfshows
Assessoria: ASE Music Press - @ase_press
Como os punks do passado faziam para conhecer bandas internacionais alternativas que não estavam nas rádios? Essa é uma pergunta que sempre despertou minha curiosidade. Pare e pense: nós vivemos no auge da tecnologia, qualquer pessoa com acesso a internet pode conferir dezenas de grupos musicais com apenas alguns toques na interface do Spotify ou outra plataforma streaming, mas o que ainda faz o gosto da "massa" é aquilo que está exposto na mídia mainstream. Em pleno século XXI, muitos sequer conhecem músicos sertanejos que estão "fora do radar" das grandes emissoras, quem dirá conjuntos punk rock da cena independente.
Se você assistiu o documentário "Botinada", com certeza se lembra do GBH. Nas cenas do icônico registro sobre os primeiros anos da cena punk brasileira, centenas de jovens anarquistas da capital paulista apareciam exibindo jaquetas com as três letras do grupo inglês rabiscadas de forma amadora. Além disso, o disco "City Baby Attacked By Rats" era um dos favoritos entre a moçada desordeira. Na época, um LP importado consumia quase 1/4 do salário de um office-boy - a profissão mais popular entre os punks. Assim sendo, obter qualquer material era uma tarefa extremamente árdua. No entanto, de maneira praticamente inexplicável (pelo menos para alguém que já nasceu na era do download), as músicas "Sick Boys" e "Time Bomb" sempre estavam presentes nas tracklists das baladas que aconteciam nos clubes "Napalm" e "Madame Satã".
Para mostrar que o punk não foi apenas uma "modinha passageira" em suas vidas, dezenas de pioneiros do movimento lotaram a Fabrique Club, no último domingo (27), para assistir a apresentação do clássico grupo britânico liderado pelo vocalista Colin Abrahall.
O evento foi realizado pela KLF Shows - produtora nova na cena, mas que já conta com ótimas produções em seu "currículo", entre elas: Suffocation, Alestorm e Incantation.
De forma pontual, o clube abriu as portas ao público às 18h. Durante a primeira hora do evento, os presentes foram entretidos com uma discotecagem que contou com o álbum "Negative Approach" na íntegra, além de outros clássicos do hardcore oldschool. Quem não estava muito interessado na tracklist pode comprar alguns discos na barraca de merch ou comer um lanche vegano em um estande especializado em alimentação "cruelty-free".
Por volta das 19h, Ratones subiu ao palco. O projeto idealizado por Jão (Ratos de Porão), Thiago Coiote (The Mönic), Rafa Essa (Jão e a Decadente Família Brasileira) e Gustavo Andrade (Dry Dogs) tinha como proposta fazer um tributo às bandas Ramones e Ratos de Porão. Gustavo, Rafa e Jão começaram o show metidos em calças rasgadas, jaquetas pretas e perucas "à moda Dee Dee Ramones", e mantiveram o "cosplay" durante a execução das canções "Cretin Hop", "Rockaway Beach" e "Here Today, Gone Tomorrow". Na sequência, veio um bloco dedicado ao Ratos de Porão com as músicas "Morte ao rei", "Crucificados pelo sistema" e "Beber até morrer". Depois, o quarteto improvisado seguiu destacando alguns dos principais sucessos dos dois grupos, entre eles: "Blitzkrieg Bop", "Beat on the Brat", "Teenage Lobotomy" e "Sofrer". Para surpresa da plateia, "Máquina militar", uma canção lado-b do álbum "Brasil", apareceu de forma inusitada no repertório. Ao término da explosiva "Aids, pop, repressão", Gustavo brincou: "Eu nem sei como os caras do Ratos aguentam fazer isso por mais de 40 anos. Eu estou fazendo isso aqui por 40 minutos, e já estou quase morrendo". Qualquer faixa do Ramones iria servir para finalizar a apresentação. No entanto, as escolhidas foram: "Sheena is a Punk Rocker", "Do you wanna dance?" e "Surfin Bird". A iniciativa da produtora KLF em convidar uma "banda tributo" para fazer a abertura do evento foi inteligente, e tirou um pouco da "mesmice" que marca a maioria das gigs musicais. Destaque para performance matadora do baterista Thiago Coiote, que acrescentou agressividade às músicas de ambos os grupos homenageados na noite.
Setlist
- Cretin Hop;
- Rockaway Beach;
- Here Today, Gone Tomorrow;
- Morte ao rei;
- Crucificados pelo sistema;
- Beber até morrer;
- Blitzkrieg Bop;
- Beat on the Brat;
- Teenage Lobotomy;
- Máquina Militar;
- Aids, pop, repressão;
- Sofrer;
- Sheena is a Punk Rocker;
- Do you wanna dance?;
- Surfin Bird;
Após uma breve pausa para troca de instrumentos no palco, que sequer levou 15 minutos, GBH iniciou o set com quase 20 minutos de antecedência com "Birmingham Smiles", música que abre o álbum "Momentum", lançado em 2017 pela Hellcat Records (selo comandado por Tim Armstrong, vocalista do Rancid). Após a faixa "inédita", Colin Abrahall anunciou: "Em 2022, nosso álbum City Baby Attacked by Rats completou 40 anos, então vamos tocar muitas músicas dele nesse show". Logo em seguida, veio uma dobradinha com os principais "hits" do trabalho magnum opus dos punks britânicos: "Time Bomb" e "Sick Boy". Para completar a sessão de clássicos, nada mais justo do que "Slit Your Own Throat?" e "Am I Dead Yet?", do "Leather, Bristles, Studs and Acne", primeiro registro da banda. Na sequência, Colin e companhia executaram "City Baby Attacked by Rats" praticamente na íntegra. Em "Maniac", "Gunned Down", "I Am the Hunted", "The Prayer Of A Realist", "Passenger On The Menu", "Heavy Discipline" e "Bellend Bop", o frontman mostrou uma postura de palco quase "bipolar", alternando entre momentos onde permanecia praticamente imóvel segurando seu microfone na extensão máxima do pedestal com "estalos" de loucura, em que resolveu correr pelo palco, pular do bumbo da bateria e entregar o microfone para a galera do moshpit. Ao fundo do palco, o baterista Scott Preece chamava a atenção por guiar as músicas utilizando mais o prato de condução do que o chimbal. Em "Boston Babies", cover do grupo conterrâneo Slaughter and the Dogs, fãs invadiram o palco, mas o vocalista não se mostrou incomodado em ceder espaço aos seguidores.
"Essa vai pra quem já esteve em uma banda", comentou Colin antes de iniciar "I Never Asked for Any of This”, outra faixa de "Momentum". Igualmente, mais duas músicas do último disco apareceram no set: "Fifty What" e "Momentum". Sem deixar manifestações políticas de lado, o vocalista mandou um "Foda-se o Putin e sua guerra covarde contra a Ucrânia" em "No Survivors". Como de costume, os "contos punk" de "City Baby Attacked by Rats" e "City Babys Revenge" fecharam o set. Após um curto intervalo, Colin agradeceu a presença do público em uma noite chuvosa de domingo, e o GBH encerrou a festa com "Liquid Paradise (The Epic)" é um curioso cover versão hardcore de "Bomber", do Motörhead.
GBH é um clássico supremo, e isso é indiscutível. Os caras já tocaram no Brasil incontáveis vezes, e mesmo assim conseguiram colocar centenas de pessoas em uma das principais casas de show em um domingo marcado pelo céu nublado e clima melancólico. Os punks mostraram que estão mais vivos do que nunca!
Setlist
- Birmingham Smiles;
- Time Bomb;
- Sick Boy;
- Slit Your Own Throat?;
- Am I Dead Yet?;
- Warpigs;
- Maniac
- Gunned Down;
- I Am the Hunted;
- The Prayer Of A Realist;
- Passenger On The Menu;
- Heavy Discipline;
- Boston Babies ( Slaughter and the Dogs cover);
- Bellend Bop;
- I Never Asked for Any of This;
- Generals;
- Nor Survivors;
- Fifty What;
- Momentum;-
- Give me fire;
- City Baby Attacked by Rats;
- City Babys Revenge;
- Liquid Paradise (The Epic);
- Bomber (Motörhead cover).
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